Veículo: Jus Econômico
Autor: Romeu Tuma Júnior
Data: 20-10-2014

Instituto tão em voga nos dias atuais, especialmente em decorrência das mais recentes lambanças cometidas pelos atuais detentores do poder em nosso País, a delação premiada ou colaboração premiada, consiste na concessão de benefícios àquele que voluntariamente tenha prestado efetiva colaboração à investigação policial ou ao processo criminal.

O instituto está previsto na Lei 9.807 /99 (Proteção às Vítimas e Testemunhas), nos seguintes termos:

Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a conseqüente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado :

I – a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa ;
II – a localização da vítima com a sua integridade física preservada ;
III – a recuperação total ou parcial do produto do crime . Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso. (grifos nossos)

Art. 14. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços . (grifos nossos)

Art. 15. Serão aplicadas em benefício do colaborador, na prisão ou fora dela, medidas especiais de segurança e proteção a sua integridade física, considerando ameaça ou coação eventual ou efetiva. § 1o Estando sob prisão temporária, preventiva ou em decorrência de flagrante delito, o colaborador será custodiado em dependência separada dos demais presos. § 2o Durante a instrução criminal, poderá o juiz competente determinar em favor do colaborador qualquer das medidas previstas no art. 8o desta Lei. § 3o No caso de cumprimento da pena em regime fechado, poderá o juiz criminal determinar medidas especiais que proporcionem a segurança do colaborador em relação aos demais apenados.

De plano, cumpre diferenciar o que o instituto da delação premiada é uma espécie com dois tipos, ou seja, a colaboração premiada sem delação e a colaboração premiada com delação.

O colaborador da Justiça pode então, assumir culpa e não incriminar outras pessoas, nesse caso, é só colaborador, mas pode, todavia, assumir culpa, confessar e delatar outras pessoas, quando teremos a delação premiada.

Vale lembrar que a denominada “delação premiada” está prevista também em diversas outras leis do nosso ordenamento jurídico, dentre as quais destacamos:

a) Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90, art. 8.º, par. único.);
b) Lei das Organizações Criminosas (Lei nº 12850/13, arts. 4º a 8º)
c) Código Penal (art. 159, 4.º – extorsão mediante sequestro);
d) Lei de Lavagem de Capitais (Lei nº 9.613/98, arts. 1.º e 5.º);
e) Lei Antitóxicos (Lei nº 11.343/2006, art. 41).;
f) Convenção de Palermo (art. 26 da Convenção da ONU contra o Crime Organizado Transnacional – internalizada);
g) Convenção de Mérida (art. 37 da Convenção da ONU contra a Corrupção – internalizada).

Aspecto comuns de todos os diplomas legais acima é o benefício e a redução de pena, de um a dois terços, sendo que na Lei de Proteção às Vítimas e Testemunhas a concessão do benefício foi ampliada até o perdão judicial, ensejando a extinção da punibilidade.

Em comum também, podemos dizer que sua concessão estará sempre vinculada ao atendimento de alguns requisitos mínimos, de natureza objetiva e subjetiva.

Nesse diapasão, temos como requisitos objetivos: primariedade do réu e a efetiva colaboração, que por sua vez implica na possível identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa; na localização da vítima com a sua integridade física preservada e na recuperação total ou parcial do produto do crime.

Por seu turno, para aferição dos requisitos subjetivos levar-se-á em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.

Assim, a Lei 9.807/99 trouxe grande inovação no ordenamento jurídico brasileiro, ao ampliar a incidência do instituto sobre qualquer espécie de crime, independentemente do tipo de ação penal prevista, restringindo, tão somente sua aplicação, aos crimes em que o delator atuou como coautor ou partícipe.

Na época da edição do referido diploma legal, deu-se grande destaque aos prometidos mecanismos de proteção à testemunha, prevendo, nos programas de proteção, a adoção de medidas em benefício da pessoa protegida, para manter-lhe um nível de vida, bem como a necessidade de verbas existentes para o própria funcionamento dos programas protetivos.

Com essa finalidade, estabeleceu a aludida lei em seu artigo 7º que:

“Art.7º Os programas compreendem, dentre outras, as seguintes medidas, aplicáveis isolada ou cumulativamente em benefício da pessoa protegida, segundo a gravidade e as circunstâncias de cada caso:
I – segurança da residência, incluindo o controle de telecomunicações;
II – escola e segurança nos deslocamentos da residência, inclusive para fins de trabalho ou para a prestação de depoimentos;
III – transferência de residência ou acomodação provisória em local compatível com a proteção;
IV – preservação da identidade, imagem e dados pessoais;
V – ajuda financeira mensal para prover as despesas necessárias à subsistência individual ou familiar, no caso de a pessoa protegida estar impossibilitada de desenvolver trabalho regular ou de inexistência de qualquer fonte de renda;
VI – suspensão temporária das atividades funcionais, sem prejuízo dos respectivos vencimentos ou vantagens, quando servidor público ou militar;
VII – apoio e assistência social, médica e psicológica;
VIII – sigilo em relação aos atos praticados em virtude da proteção concedida;
IX – apoio do órgão executor do programa para o cumprimento de obrigações civis e administrativas que exijam o comparecimento pessoal.
Parágrafo único. A ajuda financeira mensal terá um teto fixado pelo conselho deliberativo do início de casa exercício financeiro

Isso posto, vamos ao que se mais fala nos dias atuais, após o surgimento do escândalo da Petrobrás.

É imperioso diferenciar delação premiada de caguetagem.

A primeira, jurídica e tecnicamente chamada de colaboração premiada, o personagem é obrigatoriamente autor ou co-autor do crime que denuncia e/ou confessa, ao passo que na segunda pode ser apenas um conhecedor do fato que revela, por isso informante ou popular “dedo-duro” que aponta autores sem necessariamente ter participação, pois ainda que tenha, não age nos termos que a Lei dispõe e regulamenta para que dela se torne um beneficiário.

Entretanto, em ambos os casos, todo cuidado para não se dar espaço a acusações infundadas, injustas e motivadas por sentimento pessoal de vingança ou outros interesses escusos.

Nesse sentido, no caso do delator ou colaborador premiado, a lei prevê que só após uma espécie de prova preliminar de convencimento, ela deve ser homologada, mas ainda assim, quando se trata de casos complexos e de grande extensão, como a atual Operação Lava Jato, por exemplo, não se pode descuidar de nenhuma comprovação factual, ponto a ponto, episódio por episódio, uma vez que milhares de vidas, carreiras, e reputações estão em jogo, e muitas vezes, por acontecimentos pretéritos, a motivação vingativa pode estar a balizar a inclusão de um ou outro nome, o que dentre centenas, pode passar desapercebido na hora de se exigir a comprovação factual.

Assim, deve causar preocupação extra e merecer cuidado redobrado das autoridades, acusações que recaiam sobre pessoas mortas pelo simples fato que não podem mais apresentar defesa.

Quanto ao chamado cagueta, informante, ganso, dedo-duro ou X9, gírias empregadas aos que delatam por paga, profissão, interesse ou outras circunstâncias, sem as formalidades legais aqui tratadas, objetivando não serem descobertos, o cuidado e a motivação devem, mais do que nunca, serem observadas por quem receberá as informações sob pena de graves erros policiais e/ou judiciais.

Vejo muitas críticas aos delatores premiados, mas é preciso separar o delator réu confesso, acusado de crimes cujas penas somadas podem atingir mais do que sua própria expectativa de vida, do simples ato de um cagueta.

Recentemente, vi colegas Advogados maldizendo a delação premiada taxando-a de procedimento aético por se tratar de “deduragem”.

Ressalvadas as cautelas que citei acima, e que são de extrema relevância, permito-me perguntar se é possível cobrarmos ética de membros de uma organização criminosa?

O delator é agente de organização criminosa e agente em condição de destaque, que uma vez acusado e cercado pelo estado, só “colabora” com a investigação de forma oficial, após sentir esgotada a sua capacidade de homiziar seus delitos e o produto dele advindo.

O delator ao fazê-lo, busca o benefício da Lei, e seu advogado ao incentivá-lo, mesmo que em seu íntimo discorde, deve buscar o melhor caminho para a defesa de seu cliente, principalmente nos casos que envolve a família e a liberdade comprometida pelo resto da vida, até porque, a sensibilidade deve dar o sinal que o silêncio contra um aparelho investigativo e judicial eficiente e atuante dentro dos limites legais, poderá ser mais prejudicial que a confissão.

A lei diz que tudo que o sujeito falar poderá voltar-se contra ele, e obviamente tudo que ele não falar jamais lhe trará benefício.

É necessário compreender e sopesar, questões humanas e jurídicas para uma defesa técnica completa.

No fim, resta claro que alguém que confessa, assume culpa, detalha fatos e facilita provas delatando outros envolvidos, é um criminoso colaborador, e não um dedo-duro, o que convenhamos, quando envolve recursos públicos que poderiam ter sido aplicados em saúde, segurança e educação, acaba prestando um serviço à sociedade vítima, muito melhor do que calar ou dizer “eu não sabia!”

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