Veículo: Jus Econômico
Autor: Romeu Tuma Junior
Data: 02-06-2014

 

O nosso País vem sendo submetido, especialmente nos últimos anos, aos reiterados efeitos de paralisações de funcionários públicos e nos serviços considerados essenciais, com graves reflexos na sociedade civil. É evidente que o direito de greve é direito constitucional e incontestável do servidor público, mas os limites que se deve impor a eles, até pela natureza de seus serviços são igualmente importantes e constitucionais, isso também não se pode negar.

Com base nesse princípio é que vigora desde o ano de 1989 a Lei Federal nº 7.783, que regula o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais, regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade e dá outras providências, diploma legal este que, em seu artigo 10º, descreve os serviços ou atividades considerados essenciais: “I – tratamento e abastecimento de água, produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; II – assistência médica e hospitalar; III – distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; IV funerários; V – transporte coletivo; VI – captação e tratamento de esgoto e lixo; VII – telecomunicações; VIII – guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares; IX – processamento de dados ligados a serviços essenciais; X – controle de tráfego aéreo; XI – compensação bancária.”

Temos definido, portanto, como serviços e atividades essenciais os relativos ao abastecimento de água e energia elétrica, gás e combustível; medicamentos e alimentos; assistência médica e hospitalar; esgoto e lixo; transporte coletivo; controle de tráfego aéreo; compensação bancária; funerárias; telecomunicações; substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares. As greves nessas atividades e serviços cumpre manter, no mínimo, os serviços básicos indispensáveis, para evitar “prejuízos irreparáveis, pela deteriorização irreversível de bens, máquinas e equipamentos, bem como manutenção daqueles essenciais à retomada das atividades da empresa quando da cessação do movimento”.

Seguindo a linha deste pensamento, Ives Gandra da Silva Martins, bem definiu a dimensão daquilo que se constitui serviço público essencial: “Tenho entendido que o direito de greve é limitado às garantias outorgadas à sociedade pela Constituição. O direito ao trabalho é maior que o direito de greve, e o direito do cidadão a ter serviço prestado por funcionário do Estado é maior que seu direito de greve.

Ninguém é obrigado a ser servidor público. Se o for, entretanto, deve saber que a sua função oferece mais obrigações e menos direitos que na atividade privada. É que o servidor é antes de tudo um servidor da comunidade e não um servidor de si mesmo, sendo seus direitos condicionados aos seus deveres junto à sociedade.” Ocorre que a falta ou a deficitária prestação de serviços públicos causa danos irreparáveis à população inclusive para os grevistas que vão sofrer os efeitos de suposta paralisação abusiva ou mesmo temerária, perpetrada na ausência de uma legislação específica para a matéria.

Nesse contexto, frequentemente somos todos submetidos aos efeitos de movimentos precipitados; sem amparo na lei, com a exibição arrogante de força e mediante ameaças, para coação ilegítima da autoridade constituída, como se esta fosse despojada de direitos.

Ademais, tais greves invariavelmente priorizam interesses particulares, em detrimento de bens públicos, em total desprezo pelo princípio basilar das democracias modernas que prioriza o debate; degenerando no puro e simples cometimento de ilícitos, praticados sem assunção de qualquer responsabilidade pelos prejuízos causados a terceiros e à sociedade em geral, quando então resvalam na seara penal.

Com efeito, o Código Penal tem no artigo 197, como atentado contra a liberdade de trabalho “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça: I) – a exercer ou não exercer arte, ofício, profissão ou indústria, ou a trabalhar ou não trabalhar durante certo período ou em determinados dias.” Do mesmo modo, o artigo 200 também considera crime “participar de suspensão ou abandono coletivo de trabalho, praticando violência contra pessoa ou contra coisa”.

Ademais, o artigo 201 do mesmo “códex” enquadra como ilícita a conduta de: “Participar de suspensão ou abandono coletivo de trabalho, provocando a interrupção de obra pública ou serviço de interesse coletivo.”

Portanto, foi movido por inarredável apego à Lei que o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, negou seguimento ao Mandado de Injunção (MI) 774, pelo qual quatro entidades representativas de funcionários da Polícia Civil de São Paulo questionavam a inércia do Congresso Nacional em regulamentar o direito de greve, previsto no inciso VII do artigo 37 da Constituição Federal (CF).

No referido mandado de injunção, as entidades pediam ao STF que aplicasse, por analogia, a Lei de Greve (Lei 7.783/1989) da iniciativa privada, de modo a permitir paralisações das categorias dos investigadores, delegados e escrivães de polícia do Estado de São Paulo, postulando que o STF estabelecesse parâmetros mínimos, para dar eficácia ao dispositivo constitucional.

Todavia, o plenário do Supremo decidiu que os postulantes se equiparam aos militares e, portanto, são proibidos de fazer greve, “em razão de constituírem expressão da soberania nacional, revelando-se braços armados da nação, garantidores da segurança dos cidadãos, da paz e da tranquilidade públicas”, explicou o ministro Gilmar Mendes.

E arrematou o magistrado em seu voto condutor: “Assim, na linha desse entendimento, o direito constitucional de greve atribuído aos servidores públicos em geral não ampara indiscriminadamente todas as categorias e carreiras, mas antes excepciona casos como o de agentes armados e policiais cujas atividades não podem ser paralisadas, ainda que parcialmente, sem graves prejuízos para a segurança e a tranquilidade pública. No caso, não há direito subjetivo constitucional que ampare a pretensão dos impetrantes”.

Exposta a letra da lei e as decisões mais recentes, é preciso reconhecer também que dificilmente o “patrão”, no caso das Polícias, atende reivindicações sem uma mobilização da categoria. Isto porque o “patrão” é o próprio Estado, que deve zelar precipuamente pela segurança do cidadão, mas não oferece salários e condições de trabalho aos seus agentes que lhes tragam satisfação e/ou ofereçam uma forma de “compensação” justa e digna pelos riscos experimentados no exercício de suas atividades.

A mobilização também se mostra eficiente quando o escopo dos servidores é chamar a atenção para a necessidade de urgentes mudanças estruturais, mais prementes até do que aumentos salariais.

Essa dicotomia, que diferencia as Polícias dos demais serviços essenciais, por serem seus integrantes os garantidores da ordem pública e da paz social, só terá sentido quando de fato forem reconhecidas pelos governos como Instituições de Estado, capazes de executar com eficiência suas obrigações e atribuições constitucionais. Enquanto isso não ocorrer na prática, vamos assistir disputas internas de poder travestidas de falsas crises, como ocorre na PF por exemplo, e a discussão sobre fazer ou não greve, pouco vai mudar na vida da população, pois que na prática vive-se uma insegurança sem precedentes, e por mais que sejam proibidas greves e as unidades policiais civis, militares ou federais estejam funcionando normalmente, aos olhos e ao sentimento do público, parecem que estão paralisadas e em greve há anos!

Refletir se uma decisão do STF sobre a proibição dos servidores da segurança pública fazerem greves, operação tartaruga, operação padrão e paralisações, confronta-se com o Direito Constitucional do trabalhador, parece que no momento trará resultados pífios, pois como dito, pela maneira que os Governos tem tratado esses trabalhadores e por consequência, pela desatenção dispensada a sociedade receptora desses serviços, na prática, nos dias atuais, não muda nada. Por Justiça, necessário reconhecer que quando ausente a Polícia é sempre lembrada mas quando presente, muitas vezes execrada!

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